Santo Agostinho resumia a grandeza do matrimônio cristão em três bens: os filhos, a fidelidade e o Sacramento, destacando, quanto ao primeiro, que não se limita à geração, mas se prolonga, naturalmente, na educação dos filhos.

Vivemos em um tempo em que o matrimônio e a família são objeto de ataque constante, não apenas na fidelidade dos esposos e na indissolubilidade do Sacramento, mas também em relação aos filhos, seja por iniciativas contrárias à vida (contracepção e aborto) ou por projetos educacionais que pretendem retirar dos pais a liberdade de educá-los, como demonstra a intenção do governo federal brasileiro de impor a todas as escolas, públicas ou privadas, uma Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

Para que possamos compreender a verdadeira dimensão desse projeto, lembremo-nos que a Constituição do Brasil reconhece, em seu art. 226, que a família é a base da sociedade, garantindo-lhe especial proteção do Estado. Em seguida, o art. 227 atribui à família, à sociedade e ao Estado, o dever de garantir às crianças, com absoluta prioridade, o direito à educação.

Assim, entendemos que o Estado Brasileiro deve respeitar, no que concerne ao direito à educação, o princípio da subsidiariedade. Ou seja: o dever de educar os filhos cabe, em primeiro lugar, às famílias, de tal forma que a sociedade e o Estado devem se colocar em atitude de ajuda (subsidium) para estimulá-las no cumprimento dos seus deveres específicos e não para suprimi-las de forma autoritária.

Logo, de acordo com a Constituição, o protagonismo do processo educativo cabe aos pais e não ao Estado. Aliás, como há muitos anos identificou o teólogo e jurista belga Jacques Leclercq, a assunção do processo educativo pelo Estado em detrimento da família é um traço comum entre os regimes totalitários e é inadmissível em uma Democracia.

Mas, para que a família possa cumprir o seu dever constitucional, é preciso garantir o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas e a coexistência de instituições públicas e privadas de ensino (art. 206, III). Sem isso, os pais não podem escolher a linha pedagógica que lhes pareça mais adequada à formação de seus filhos, ficando submetidos à vontade do Estado.

É por isso que a criação de um currículo comum que estabeleça as matérias, perspectivas pedagógicas e objetivos de cada ano escolar é absolutamente incompatível com a liberdade familiar na educação dos filhos. Mas é exatamente isso que o Governo Federal pretende fazer com a BNCC.

O desrespeito à Constituição, no entanto, não para por aí. O Estado brasileiro é Federal, ou seja, se organiza em Municípios, Estados e União, cada qual com sua esfera própria de atuação e com o dever de respeitar os demais. Em matéria educacional, desde a Constituição de 1934, à União compete apenas estabelecer diretrizes e bases a partir das quais os demais entes federativos possam desenvolver seus sistemas educacionais. Ao transformar as bases curriculares em um sistema completo e obrigatório, deixando uma margem mínima de atuação para os Estados e Municípios, o governo federal assume uma postura centralista incompatível com a forma do nosso Estado.

Além disso, o Brasil é uma democracia representativa, ou seja, a vontade expressa por nossos representantes eleitos deve ser respeitada nos limites da Lei. A carência de representatividade democrática da BNCC fica evidente não só pela forma da sua implementação – através de procedimento administrativo vinculado ao Conselho Nacional de Educação, cuja composição depende de simples indicação do Presidente da República – mas pela matéria que veicula, especialmente no que concerne à chamada ideologia de gênero, que ainda está presente na terceira versão da BNCC, ao contrário do que tem dito seus propagadores.

Vale lembrar que a ideologia de gênero foi excluída do Plano Nacional de Educação de 2014 e de quase todos os Planos Municipais posteriores por conta de forte mobilização popular em todo o país. Agora, o governo federal pretende torná-la obrigatória por meio da BNCC, contrariando a vontade expressa democraticamente no Congresso Nacional e esmagadora maioria das Câmaras Municipais do Brasil. Esse fato, por si só, é suficiente para demonstrar a vocação autoritária do projeto.

Diante disso, cabe a nós cristãos lembrar aos poderes públicos que o “papel dos pais na educação é de tal importância que é impossível substituí-los” (CIC, §2221) e que, portanto, não cabe ao Estado, mas aos pais definir a orientação fundamental da educação dos filhos. Não se enganem, o que está em jogo é a autoridade dos pais para definir os ramos da educação formal, intelectual e moral dos nossos filhos.

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